O touro era maior e mais gordo do que nos outros anos e não um touro preto mas malhado, de chifres desiguais como uma pálpebra mais descida do que a outra. Relutante também: foi necessário picá-lo com varas e exibir um sem-número de panos coloridos para o obrigar a seguir , desconfiado e lento, pelos corredores de pedra das muralhas, e fazer entrar à força na arena do castelo, onde o animal permanecia quieto, encostado às trincheiras, entontecido pelos foguetes, pela música, pelos assobios,pelos aplausos, pelos gritos ,atento aos vultos que passavam a correr à sua frente, provocando-o com os casacos e as camisas, que tropeçavam, caíam, se levantavam de novo, o desafiavam de longe, o insultavam, escarneciam dele, um touro grosso e maciço de músculos, com o piaçaba do pénis dependurado a barriga à maneira de uma inesperada barbicha de pintor, transportado sem comer, durante dois dias, desde Badajoz ou desde Elvas, Numa jaula de troncos de madeira atados uns aos outros por intermédio de cordas e de cabos, recusando a ração e defecando na camioneta cones de bosta prateadas que cones de varejeiras imediatamente cobriam, e quando ontem o presidente da casa do Povo me convidou a visitar o bicho, no seu curro, achei-o deitado na palha, com as patas dianteiras dobradas sob o ventre, voltando para nós, antes de adormecer, a imensa cabeça desdenhosa. Um velho completamente bêbedo, de cobertor e garrafão ao lado, montava guarda ao touro urinando-lhe no lombo por uma frincha de tábuas.
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AUTO DOS DANADOS
(1985)
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