divendres, de febrer 15, 2008



D'ESTE VIVER AQUI NESTE PAPEL DESCRIPTO
CARTAS DA GUERRA
A.LOBO ANTUNES
Meu querido amor
E aqui me eis, no topo de um monte. A terra,azul ao longe,parece o mar. mas desapareceu a areia, a esterilidade, a secura do leste. A vida é exuberante no norte, de uma riqueza espantosa: não há um centímetro quadrado de terra que não tenha em cima uma planta, um insecto ou um pretinho. Quase toda a gente fala português e, para meu espanto, o dialecto local é parecidíssimo com o dos bundas. Funciono num posto de socorros "minable", à Céline, com um enfermeiro negro, coxo, de cabeça de bigorna, que não tem um único remédio para dar seja a quem for. Tudo ferrugento e velho , a cair de podre. Mangueiras lindíssimas, por contraste, por todo o lado. E a mesma lentidão dos dias.Hoje , precisei do furriel enfermeiro: tinha saído. Fui atrás dele, perguntei a um indígena se o tinha visto, apontou uma direcção qualquer, e acrescentou: "vai longe, mas vai perto". A espantosa subtileza desta resposta foi o que até agora mas me impressionou em África. Lembra os haikais do poeta Huang-Tsui,célebre filósofo que acabo de inventar...
Não recibo notícias tuas há que vidas! As cartas devem andar a passear por Angola à minha procura,a baterem às portas de todos os quartéis, perguntando por mim com vozinhas lamentosas. Ainda a respeito de cartas, vou tentar recomeçar amanhã a escrever às pessoas que fazem o favor de me estimar, poça. Mas os últimos dias, as últimas semanas, chocalharam-me de tal modo a alma que me sinto virado do avesso, disperso e neutro como uma coisa.

Como está a gotícula filial? Et toi? E chegaram o Boris Vian e companhia, um pouco amarelos já de paludismo.
Eu gosto tudo de ti. Abafo-me com isto. Até ao fim do mundo. Beijos de várias cores do teu
Antonio

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